Uma chuva fina caía lá fora – o garoto a observava através do vidro da janela. Ele sempre fazia isso. Nunca saía de casa, mas, sempre que chovia, se postava diante da janela, sozinho, e achava mágico esse momento. Para ele, não havia nada mais lindo que a imagem da chuva caindo. A cena o tocava profundamente e fazia com que ele, completamente imóvel, passasse horas e horas, apenas a observá-la. Por que faria qualquer outra coisa? Aquilo era tudo que ele precisava.
O suave som da chuva caindo, tocando ruas, casas, árvores e calçadas, era como música para os ouvidos do garoto. Isso o acalmava e, eventualmente, fazia com que ele fechasse os olhos, apenas para ouvir com mais atenção. Porém, não permanecia assim por muitos segundos e logo os abria novamente. Como seria capaz de ignorar a cena que se passava lá fora? Ao mesmo tempo que a melodia da chuva – sim, era, definitivamente, uma bela melodia - despertava nele o desejo de apreciá-la individualmente, ela também o levava a ceder à curiosidade de assistir às gotas d’água sendo derramadas. Elas pareciam dançar para ele. Elas acompanhavam a melodia com movimentos de extrema naturalidade, mas num compasso primoroso. A chuva se exibia e seduzia o garoto a assisti-la e ouvi-la. Era irresistível. A sensação era inigualável. Visão e audição pareciam formar um par perfeito, e um sentido se impunha como essencial ao outro.
A chuva caía de forma cada vez mais intensa e a satisfação do garoto crescia proporcionalmente. Ele se sentia como se estivesse assistindo a um filme, aguardando, ansiosamente, o momento em que ocorreriam os trovões e relâmpagos. Por enquanto, era como se o filme estivesse em seu início - as gotas o protagonizavam e os trovões e relâmpagos apareceriam como antagonistas. A crescente intensidade da chuva poderia representar as complicações ao longo da suposta trama. Dessa forma, o garoto se perdia em intermináveis divagações, afinal, o fenômeno, ao qual ele tanto assistia, era a arte na sua forma mais pura e primária. Identificava ali a música, a dança, o teatro. Talvez ele estivesse tão alheio ao restante do mundo que esses pensamentos fossem besteiras, loucuras. Talvez fizessem algum sentido.
O garoto se manteve ali, parado, durante horas. A chuva já não se intensificava mais. O seu som já não transmitia a mesma sensação de conforto. O céu escurecia, trazendo a noite, tornando as gotas invisíveis. Nem mesmo relâmpagos apareceram. Para onde fora toda a arte do momento? Como isso pôde acontecer? O céu, agora, o privava de assisti-la. A melodia se fora. Era como se sua visão e sua audição tivessem perdido a validade.
Perguntas não paravam de surgir na mente do garoto. Por que ele não podia ter o direito de aproveitar a chuva em paz? Ela parecia o trair. Será que alguém era capaz de adorá-la tanto quanto o menino o fazia? A chuva tinha que ser dele, e só. Dele que sempre a observara e escutara à sua melodia, que dedicara seu tempo a ela em todos os dias nos quais ela surgira. O que ele faria agora, sem ela?
O garoto nunca havia tocado a água da chuva. Ele nunca tivera coragem para tanto. Mas e agora que nada lhe restava? Qual seria a sensação de senti-la molhando sua pele, seus cabelos, suas roupas? Ah, mas ele não se atreveria a sair da casa. Ele não tinha essa permissão. Além de tudo, o que poderia acontecer, caso ele se entregasse de vez à chuva? Mas... por que não se arriscar? Sim, ele se arriscaria. Ele sempre morrera de vontade de sentir a chuva, e o faria naquele momento.
Um relâmpago, finalmente, iluminou o céu, e o garoto viu isso como um sinal para seguir em frente na sua decisão de ir até o lado de fora da casa. E assim foi – ele correu até a porta de saída, abriu-a vagarosamente e permaneceu ali parado por um instante, olhando a chuva e juntando coragem. Que tipo de pessoa precisa de coragem, para isso? Quem nunca havia se molhado com a água da chuva? Aquele garoto, porém, sempre fugira disso. Passou sua vida inteira a observar a chuva, sem nunca ousar ir até ela. Ele sempre tivera a impressão de que ela o chamava, mas nunca atendeu aos chamados. Ele estava bem daquele jeito. A chuva o agradava daquele jeito. Mas agora ela o obrigava a fazer sua vontade. Ela o chamava de egoísta. Ou, talvez, simplesmente queria se exibir mais um pouco e mostrar outro de seus ‘poderes’.
O garoto suspirou e, sem pensar em mais nada, atravessou a porta, correu e parou no meio da rua. A sensação de sentir a água da chuva molhando seu corpo era boa. Ele se sentiu livre. A chuva começou a se intensificar vagarosamente – ela também queria se sentir livre. O garoto começou a andar, com os braços abertos, os olhos fechados. Ele não precisaria mais da visão. Nem mesmo da audição. Não havia mais necessidade, agora que ele podia sentir a chuva. Ela, por sua vez, queria forçá-lo a ouvi-la – se intensificou mais e mais, e trovões já podiam ser escutados.
Aquele garoto já exibia um profundo prazer, esbanjando um largo sorriso no rosto. Corria pela rua, pulava nas poças d’água, espalhava água pelo corpo. E não se cansava. Suas roupas estavam encharcadas, mas ele já não se importava. Na verdade, ele queria muito mais e, quanto mais chuva ele desejava, mais chuva caía. Suas gotas agora eram grossas e atingiam com força a pele do garoto. Os relâmpagos e trovões não cessavam, os últimos manifestando-se cada vez mais alto. A chuva parecia querer dizer alguma coisa.
A situação estava incontrolável. O garoto parecia cada vez mais insanamente feliz. Essa era a melhor sensação que ele já tivera – e ele não parava de repetir isso para si mesmo. A água fria dava-lhe a impressão de estar sentindo, de fato, a essência da vida. Ele se sentia pronto para viver, dali para frente. Finalmente se sentia como se estivesse vivendo plenamente.
Os relâmpagos se tornavam cada vez mais frequentes, e o garoto corria feliz, sentindo como se aqueles clarões proporcionassem maior beleza à cena. Ali estava a arte que ele sentira falta. A cada novo trovão, ele deixava escapar um igualmente novo riso. Até que, finalmente, houve o maior clarão até então, o momento de maior prazer, quando a vida gritava de dentro do corpo do garoto. Um trovão extremamente alto anunciava o acontecimento - um raio atingiu a cabeça do jovem inocente. A chuva se vingara. Ele morreu.